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Forças de segurança do Irã atiram contra manifestantes em homenagem a Mahsa Amini

Outras 10 mil participaram da procissão



As forças de segurança do Irã abriram fogo contra manifestantes reunidos nesta quarta-feira, 26, na cidade natal de Masha Amini, onde milhares de pessoas participavam das homenagens à jovem curda pelos 40 dias de sua morte. A informação foi divulgada por uma ONG e por testemunhas locais. O governo iraniano, porém, nega distúrbios na cidade e cortou a internet local.

"As forças de segurança atiraram gás lacrimogêneo e abriram fogo contra pessoas na praça Zindan em Saqez", afirmou no Twitter o grupo de defesa dos direitos humanos Hengaw, que tem sede na Noruega. Em desafio às rígidas medidas de segurança, manifestantes se reuniram nesta quarta no cemitério do Curdistão iraniano onde foi sepultada a jovem.

"Mulher, vida, liberdade" e "Morte ao ditador" foram algumas frases gritadas por centenas de mulheres e homens reunidos no cemitério Aichi de Saqez, na província do Curdistão, oeste do Irã, de acordo com vídeos divulgados nas redes sociais.

 
 

A curda iraniana de 22 anos morreu em 16 de setembro, três dias após ser detida pela polícia da moral quando visitava Teerã com o irmão. Ela foi acusada de supostamente violar o rígido código de vestimenta da República Islâmica, que impõe o uso do véu às mulheres. A morte da jovem provocou uma onda de protestos em todo o país, liderados por mulheres que desafiam as autoridades e queimam os véus.

Com o slogan #WomanLifeFreedom, as manifestações primeiro se concentraram nos direitos das mulheres e no hijabb. Mas elas rapidamente evoluíram para pedidos para expulsar os clérigos xiitas que governam o Irã desde a Revolução Islâmica de 1979.

Fim do luto

Nesta quarta-feira, o óbito de Amini completa 40 dias, o que marca o fim do período de luto na tradição xiita. De acordo com ativistas dos direitos humanos, as forças de segurança advertiram os pais da jovem a não organizar nenhuma cerimônia, nem mesmo diante do túmulo, e ameaçaram o filho do casal.

 
 

Vídeos publicados mais cedo pelo grupo Hengaw mostram a polícia patrulhando as ruas de Saqez, que teve as entradas bloqueadas, desde a noite de terça-feira, 25. A mídia estatal anunciou que escolas e universidades na região noroeste do Irã fechariam, supostamente para conter "a propagação da gripe".

Apesar das ameaças, grupos de pessoas começaram a seguir para o cemitério na manhã desta quarta-feira, a pé, em veículos e motos, enquanto aplaudiam e gritavam, de acordo com as imagens publicadas pelo Hengaw. As mulheres arrancavam seus hijabs e os balançavam acima de suas cabeças. Outros vídeos mostraram uma enorme procissão percorrendo uma estrada e um campo poeirento em direção ao túmulo de Amini.

Quase 2.000 pessoas se reuniram no cemitério, que fica a 8 km do centro de Saqez, segundo a agência iraniana Fars. Outras 10 mil participaram da procissão.

 
 

"Este é o ano do sangue, Seyed Ali será derrubado", gritaram alguns manifestantes - em um vídeo que teve a veracidade comprovada pela AFP - em referência ao líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei.

"Curdistão, Curdistão, o cemitério dos fascistas", gritou outro grupo, em um vídeo do qual a AFP não conseguiu comprovar a veracidade. De acordo com a Hengaw há manifestações em várias cidades do Curdistão.

A organização também informou que duas estrelas do futebol iraniano, Ali Daei e Hamed Lak, também viajaram a Saqez para participar na cerimônia de 40 dias de luto. Os dois jogadores se hospedaram no hotel Kurd, segundo o Hengaw, "mas foram transferidos para o hotel do governo, sob controle das forças de segurança". Daei já havia enfrentado problemas por apoiar os protestos nas redes sociais.

O jornal Hammihan cita uma declaração do governador do Curdistão, Zarei Koosha, de que Ali Daei e outras personalidades estavam em Teerã e que "tudo estava tranquilo em Saqez". "O inimigo e seus meios de comunicação tentam utilizar o 40º dia da morte de Mahsa Amini como um pretexto para provocar novas tensões, mas felizmente a situação na província está completamente estável", declarou o governador, segundo a agência oficial Irna, antes de negar que as ruas estejam bloqueadas.

De acordo com o Hengaw, grande parte da cidade estava vazia nesta quarta-feira, porque vários moradores compareceram ao cemitério.

Manifestações também foram organizadas em outras regiões do país, em particular nas universidades, informou o portal 1500tasvir, que documenta as violações dos direitos humanos por parte das forças de segurança.

A repressão aos protestos no país provocou pelo menos 141 mortos, incluindo crianças, segundo um balanço atualizado da ONG Iran Humans Rigths (IHR). Outros balanços citam mais de 200 mortos. Vários manifestantes foram detidos, incluindo professores universitários, jornalistas e celebridades.

De acordo com a Anistia Internacional, 23 crianças morreram na repressão dos protestos. O IHR cita 29 menores de idade mortos.

Números incontáveis foram presos, com estimativas na casa dos milhares. Autoridades judiciais iranianas anunciaram nesta semana que levariam mais de 600 pessoas a julgamento por seu papel nos protestos, incluindo 315 em Teerã, 201 na província vizinha de Alborz e 105 na província de Khuzestan, no sudoeste.

O promotor de Teerã, Ali Salehi, disse à agência Irna que quatro manifestantes foram acusados de "guerra contra Deus", que é punível com a morte no Irã.

Sanções

Os Estados Unidos impuseram nesta quarta-feira novas sanções a membros da agência de inteligência do Irã, líderes da Guarda Revolucionária do Irã, carcereiros e outros. O braço de sanções do governo dos EUA designou 10 membros da liderança do Irã com bloqueios financeiros e penalidades, dando continuidade a uma série de ações impostas contra Teerã por sua repressão a manifestantes e interrupção do acesso à Internet.

Os alvos das últimas sanções foram o comandante da organização de inteligência da Guarda, seu vice-comandante, guardas de várias prisões e uma empresa iraniana que realiza filtragem de mídia social.

Na semana passada, o Irã impôs sanções a mais de uma dúzia de autoridades, empresas e instituições europeias, incluindo canais Farsi sediados no exterior que cobriam amplamente os protestos, acusando-os de "apoiar o terrorismo". As sanções envolvem uma proibição de entrada e visto para os funcionários, além do confisco de seus bens no Irã.

Nesta quarta-feira, o governo do Irã anunciou novas sanções contra pessoas, instituições e meios de comunicação na União Europeia, em resposta às sanções impostas por Bruxelas contra autoridades iranianas e contra a polícia da moral.